Primeira História do Ano 2014
É uma história estranha, porque quando Bryn encontrou o cálice de Isha, depois de ter derrotado o gigante de três cabeças e ter entrado no castelo de fogo, ao mesmo tempo que estendia o braço para pegar nele, ofuscado pelas esmeraldas e ornamentos de prata, o cálice falou-lhe. Aquele que tiver um coração puro, pode beber de mim, disse ele, numa voz baixa, mas terrível. E Bryn teve medo de pegar nele, mas a voz calou-se, ele pegou no cálice e meteu-o debaixo da capa.
Só mais tarde, quando Bryn chegou a um pequeno rio, é que se lembrou do cálice e pegou nele para beber. Mas estranhamente, quando o tirou de sob a capa, já estava cheio de água límpida. Sentou-se no chão, confuso e, antes que o pudesse impedir, o seu cavalo inclinou o pescoço e bebeu do cálice. Ainda mais estranho, quanto mais o animal bebia, mais cheio até às bordas ficava o cálice de Isha. A água não parecia ter efeitos nefastos no cavalo; no entanto, Bryn não bebeu, mergulhando antes as mãos no rio e matando a sede daquela maneira. Porque, pensou ele, um animal irracional pode ser puro de coração que não nota a diferença, mas este cálice está encantado e deve estar destinado ao maior homem do mundo e eu não passo de um pobre viajante. Como posso eu ter valor suficiente para beber de tal vaso mágico?
Agora pergunta-se: O Bryn chegou a beber do cálice, ou duvidou de si próprio para sempre?
A resposta é sim! Ele bebeu. Mas só muito, muito mais tarde, porque após todas as suas aventuras e as doenças que afectaram muitos outros que tentaram utilizar o cálice de Isha, ele colocou-o numa prateleira nas traseiras da sua cabana e esqueceu-o. Ali ficou o cálice com as suas esmeraldas e rubis, entre as velhas canecas e louça de estanho e nem uma única alma reparou nela. Porque Bryn ficou na sua cabana, ao lado da floresta encantada com o seu labirinto de espinhos e ali envelheceu; e aguardou a única entrada, não deixando ninguém passar, homem ou animal. Houve muitas raparigas que o teriam desposado, se ele quisesse, mas ele recusou-as a todas polidamente. "Sou apenas um humilde homem," dizia ele, "não presto para vós, damas educadas. Além disso, o meu coração pertence a alguém."
Ao longo dos anos teve imensas oportunidades para sair dali, para a guerra, com soldados, ou para fazer fortuna, com viajantes, mas nada disso fez. "Esta é a minha vigília," dizia-lhes ele, "e aqui fico. Morrerei no meu posto." E quando acabaram os trinta anos e Bryn era muito, muito velho, com longas barbas até aos pés, a maldição foi levantada e a parede de espinhos dissolvida; e de lá saiu uma dama muito, muito velha, com um vestido branco todo esfarrapado e o rosto enrugado como uma ameixa seca. Mas Bryn reconheceu nela, instantaneamente, a sua amada e caiu de joelhos diante dela, dando graças pela sua libertação. "Tenho sede," disse a velha dama numa voz de cana rachada (mas para Bryn era o mais maravilhoso som que ouvira na sua vida). "Arranja-me de beber, soldado, por favor." E como só havia na sua humilde casa um cálice digno de uma dama daquela posição, o velho foi buscar o cálice de Isha às prateleiras poeirentas da cozinha e, espantado, viu que estava cheio até às bordas de água límpida e fresca. Com as mãos a tremer, ofereceu-o à dama.
"Deves beber primeiro" disse ela e ele não teve força para ir contra a vontade da dama. Bebeu um gole, ela bebeu um gole e as pedras preciosas do cálice brilharam como estrelas. Quando Bryn olhou para cima, lá estava a amada do seu coração, tão nova e bela como no dia em que a perdera. E quando olhou para o cálice de Isha, o reflexo mostrou-lhe uns caracóis negros e um deslumbrante sorriso.
"Mas, mas, eu pensei..." mal conseguia pronunciar uma palavra, porque o seu coração batia como um tambor. A sua amada sorriu e pegou-lhe na mão. "Devias ter bebido dele há muito tempo", disse ela, "porque nenhum homem, que não fosse puro, teria esperado 30 anos pela sua amada!" Ela pousou o cálice sobre uma pedra ao lado do caminho, entraram juntos na pequena cabana e ali viveram juntos o resto das suas vidas.
E o cálice de Isha?
Descansa entre os fetos e as margaridas, esperando que um outro viajante o encontre.
História contada por Sorcha no livro "Filha da Floresta" de Juliet Marillier (a minha autora favorita)